terça-feira, 1 de maio de 2012

Não, não, não subscrevo, não assino



«Não, não, não subscrevo, não assino
que a pouco e pouco tudo volte ao de antes,
como se golpes, contra-golpes, intentonas
(ou inventonas - armadilhas postas
da esquerda prá direita ou desta para aquela)
não fossem mais que preparar caminho
a parlamentos e governos que
irão secretamente pôr ramos de cravos
e não de rosas fatimosas mas de cravos
na tumba do profeta em Santa Comba,
enquanto pra salvar-se a inconomia
os empresários (ai que lindo termo,
com tudo o que de teatro nele soa)
irão voltar testas de ferro do
capitalismo que se usou de Portugal
para mão-de-obra barata dentro ou fora.
Tiveram todos culpa no chegar-se a isto:
infantilmente doentes de esquerdismo
e como sempre lendo nas cartilhas
que escritas fedem doutras realidades,
incompetentes competiram em
forçar revoluções, tomar poderes e tudo
numa ânsia de cadeiras, microfones,
a terra do vizinho, a casa dos ausentes,
e em moer do povo a paciência e os olhos
num exibir-se de redondas mesas
em televisas barbas de faláeia imensa.
E todos eram povo e em nome del' falavam,
ou escreviam intragáveis prosas
em que o calão barato e as ideias caras
se misturavam sem clareza alguma
(no fim das contas estilo Estado Novo
apenas traduzido num calão de insulto
ao gosto e à inteligência dos ouvintes-povo).
Prendeu-se gente a todos os pretextos,
conforme o vento, a raiva ou a denúncia,
ou simplesmente (ó manes de outro tempo)
o abocanhar patriótico dos tachos.
Paralisou-se a vida do pais no engano
de que os trabalhadores não devem trabalhar
senão em agitar-se em demandar salários
a que tinham direito mas sem que
houvesse produção com que pagá-los.
Até que um dia, à beira de uma guerra
civil (palavra cómica pois que
do lume os militares seriam quem tirava
para os civis a castanhinha assada),
tudo sumiu num aborto caricato
em que quase sem sangue ou risco de infecção
parteiras clandestinas apararam
no balde da cozinha um feto inexistente:
traindo-se uns aos outros ninguém tinha
(ó machos da porrada e do cacete)
realmente posto o membro na barriga
da pátria em perna aberta e lá deixado
semente que pegasse (o tempo todo
haviam-se exibido eufóricos de nus,
às Áfricas e às Europas de Oeste e Leste).
A isto se chegou. Foi criminoso?
Nem sequer isso, ou mais do que isso um guião
do filme que as direitas desejavam,
em que como num jogo de xadrez a esquerda
iria dando passo a passo as peças todas.
É tarde e não adianta que se diga ainda
(como antes já se disse) que o povo resistiu
a ser iluminado, esclarecido, e feito
a enfiar contente a roupa já talhada.
Se muita gente reagiu violenta
(com as direitas assoprando as brasas)
é porque as lutas intestinas (termo
extremamente adequado ao caso)
dos esquerdismos competindo o permitiram.
Também não vale a pena que se lave
a roupa suja em público: já houve
suficiente lavar que todavia
(curioso ponto) nunca mostrou inteira
quanta camisa à Salazar ou cueca de Caetano
usada foi por tanto entusiasta,
devotamente adepto de continuar ao sol
(há conversões honestas, sim, ai quantos santos
não foram antes grandes pecadores).
E que fazer agora? Choro e lágrimas?
Meter avestruzmente a cabeça na areia?
Pactuar na supremíssima conversa
de conciliar a casa lusitana,
com todos aos beijinhos e aos abraços?
Ir ao jantar de gala em que o Caetano,
o Spínola, o Vasco, o OteIo e os outros,
hão-de tocar seus copos de champanhe?
Ir já fazendo a mala para exílios?
Ou preparar uma bagagem mínima
para voltar a ser-se clandestino usando
a técnica do mártir (tão trágica porque
permite a demissão de agir-se à luz do mundo,
e de intervir directamente em tudo)?
Mas como é clandestina tanta gente
que toda a gente sabe quem já seja?
Só há uma saída: a confissão
(honesta ou calculada) de que erraram todos,
e o esforço de mostrar ao povo (que
mais assustaram que educaram sempre)
quão tudo perde se vos perde a vós.
Revolução havia que fazer.
Conquistas há que não pode deixar-se
que se dissolvam no ar tecnocrata
do oportunismo à espreita de eleições.
Pode bem ser que a esquerda ainda as ganhe,
ou pode ser que as perca. Em qualquer caso,
que ao povo seja dito de uma vez
como nas suas mãos o seu destino está
e não no das sereias bem cantantes
(desde a mais alta antiguidade é conhecido
que essas senhoras são reaccionárias,
com profissão de atrair ao naufrágio
o navegante intrépido). Que a esquerda
nem grite, que está rouca, nem invente
as serenatas para que não tem jeito.
Mas firme avance, e reate os laços rotos
entre ela mesma e o povo (que não é
aqueles milhares de fiéis que se transportam
de camioneta de um lugar pró outro).
Democracia é isso: uma arte do diálogo
mesmo entre surdos. Socialismo à força
em que a democracia se realiza.
Há muito socialismo: a gente sabe,
e quem mais goste de uns que dos outros.
É tarde já para tratar do caso: agora
importa uma só coisa - defender
uma revolução que ainda não houve,
como as conquistas que chegou a haver
(mas ajustando-as francamente à lei
de uma equidade justa, rechaçando
o quanto de loucuras se incitaram
em nome de um poder que ninguém tinha).
E vamos ao que importa: refazer
um Portugal possível em que o povo
realmente mande sem que o só manejem,
e sem que a escravidão volte à socapa
entre a delícia de pagar uma hipoteca
da casa nunca nossa e o prazer
de ter um frigorifico e automóveis dois.
Ah, povo, povo, quanto te enganaram
sonhando os sonhos que desaprenderas!
E quanto te assustaram uns e outros,
com esses sonhos e com o medo deles!
E vós, políticos de ouro de lei ou borra,
guardai no bolso imagens de outras Franças,
ou de Germânias, Rússias, Cubas, outras Chinas,
ou de Estados Unidos que não crêem
que latinada hispânica mereça
mais que caudilhos com contas na Suíça.
Tomai nas vossas mãos o Portugal que tendes
tão dividido entre si mesmo. Adiante.
Com tacto e com fineza. E com esperança.
E com um perdão que há que pedir ao povo.
E vós, ó militares, para o quartel
(sem que, no entanto, vos deixeis purgar
ao ponto de não serdes o que deveis ser:
garantes de uma ordem democrática
em que a direita não consiga nunca
ditar uma ordem sem democracia).
E tu, canção-mensagem, vai e diz
o que disseste a quem quiser ouvir-te.
E se os puristas da poesia te acusarem
de seres discursiva e não galante
em graças de invenção e de linguagem,
manda-os àquela parte. Não é tempo
para tratar de poéticas agora.»

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Meu País Desgraçado


Serra da Arrábida

Meu país desgraçado!... 
E no entanto há Sol a cada canto
 e não há Mar tão lindo noutro lado. 
Nem há Céu mais alegre do que o nosso, 
 nem pássaros, nem águas ... 

Meu país desgraçado!... 
Por que fatal engano? 
Que malévolos crimes 
teus direitos de berço violaram? 


Meu Povo 
de cabeça pendida, 
mãos caídas, de olhos sem fé 
 — busca, dentro de ti, fora de ti, 
aonde a causa da miséria se te esconde. 


E em nome dos direitos 
que te deram a terra, o Sol, o Mar, 
fere-a sem dó 
com o lume do teu antigo olhar. 


Alevanta-te, Povo! 
Ah!, visses tu, nos olhos das mulheres, 
a calada censura 
que te reclama filhos mais robustos! 


Povo anêmico e triste, 
meu Pedro Sem sem forças, sem haveres!
— olha a censura muda das mulheres!
Vai-te de novo ao Mar! 
Reganha tuas barcas, tuas forças 
e o direito de amar e fecundar 
as que só por Amor te não desprezam!

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Cidadezinha Qualquer


Imagino uma, ao ler o poema. 


«Casas entre bananeiras
Mulheres entre laranjeiras
Pomar, amor, cantar
Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.
Devagar... as janelas olham.
Êta vida besta, meu Deus»

quarta-feira, 21 de março de 2012

CANTIGA DOS AIS, no Dia Mundial da Poesia



Os ais de todos os dias, os ais de todas as noites. Ais do fado e do folclore, o ai do ó ai ó linda. Os ais que vêm do peito, ai pobre dele, coitado que tão cedo se finou! Os ais que vêm da alma. Ais d'amor e de comédia, ai pobre da rapariga que se deixou enganar? ai a dor daquela mãe. Os ais que vêm do sexo, os ais do prazer na cama. Os ais da pobre senhora agarrada ao travesseiro ai que saudades, saudades, os ais tão cheios de luto da viúva inconsolável. Ai pobre daquele velhinho: _ai que saudades menina, ai a velhice é tão triste. Os ais do rico e do pobre ai o espinho da rosa os ais do António Nobre. Ais do peito e da poesia e os ais de outras coisas mais. Ai a dor que tenho aqui, ai o gajo também é, ai a vida que tu levas, ai tu não faças asneiras, ai mulher és o demónio, ai que terrível tragédia, ai a culpa é do António! Ai os ais de tanta gente? ai que já é dia oito ai o que vai ser de nós. E os ais dos liriquistas a chorar compreensão? ai que vontade de rir. E os ais de D. Dinis Ai Deus e u é? Triste de quem der um ai sem achar eco em ninguém. Os ais da vida e da morte Ai os ais deste país?

quarta-feira, 14 de março de 2012

De "O Profeta"


"Caminho eternamente por essas praias. Entre a areia e a espuma. A maré alta apagará as minhas pegadas e o vento soprará a espuma. Porém o mar e a praia permanecerão eternamente."






Foto de G. Pinto. "Guincho"

quarta-feira, 7 de março de 2012

Caminho



O Tejo em Lisboa 




I
Tenho sonhos cruéis; n'alma doente
Sinto um vago receio prematuro
Vou a medo na aresta do futuro,
Embebido em saudades do presente

Saudades desta dor que em vão procuro
Do peito afugentar bem rudemente,
Devendo, ao desmaiar sobre o poente,
Cobrir-me o coração dum véu escuro!...

Porque a dor, esta falta d'harmonia,
Toda a luz desgrenhada que alumia
As almas doidamente, o céu d'agora,

Sem ela o coração é quase nada:
Um sol onde expirasse a madrugada,
Porque é só madrugada quando chora.

II

Encontraste-me um dia no caminho
Em procura de quê, nem eu o sei.
- Bom dia, companheiro - te saudei,
Que a jornada é maior indo sozinho.

É longe, é muito longe, há muito espinho!
Paraste a repousar, eu descansei...
Na venda em que poisaste, onde poisei,
Bebemos cada um do mesmo vinho.

É no monte escabroso, solitário.
Corta os pés como a rocha de um calvário,
E queima como a areia!... Foi no entanto

Que chorámos a dor de cada um...
E o vinho em que choraste era comum:
Tivemos que beber do mesmo pranto



In Clepsidra e outros poemas


Dedicado a Elvira.



terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Porque não me vês



Clic para ouvir e vê no YouTube. Senão, fica o poema.

Meu amor adeus
Tem cuidado
Se a dor é um espinho
Que espeta sozinho
Do outro lado
Meu bem desvairado
Tão aflito
Se a dor é um dó
Que desfaz o nó
E desata um grito
Um mau olhado
Um mal pecado
E a saudade é uma espera
É uma aflição
Se é Primavera
É um fim de Outono
Um tempo morno
É quase Verão
Em pleno Inverno

É um abandono

Porque não me vês
Maresia
Se a dor é um ciúme
Que espalha um perfume
Que me agonia
Vem me ver amor
De mansinho
Se a dor é um mar
Louco a transbordar
Noutro caminho
Quase a espraiar
Quase a afundar
E a saudade é uma espera
É uma aflição
Se é Primavera
É um fim de Outono
Um tempo morno
É quase Verão
Em pleno Inverno

É um abandono.


A Raposa e o Principezinho



.../ «Foi então que apareceu a raposa:
- Bom dia - disse a raposa.
- Bom dia - respondeu o principezinho com delicadeza. Mas ao voltar-se não viu ninguém.
- Estou aqui - disse a voz -, debaixo da macieira…
- Quem és tu? - disse o principezinho. - És bem bonita…
- Sou uma raposa - disse a raposa.
- Anda brincar comigo - propôs-lhe o principezinho. - Estou tão triste…
- Não posso brincar contigo - disse a raposa. - Ainda ninguém me cativou.
- Ah! perdão - disse o principezinho.
Mas, depois de ter reflectido, acrescentou: 
- Que significa “cativar”?
- Tu não deves ser daqui - disse a raposa. 
- Que procuras?
- Procuro os homens - disse o principezinho. 
- Que significa “cativar”?
- Os homens - disse a raposa - têm espingardas e caçam. É uma maçada! Também criam galinhas. É o único interesse que lhes acho. Andas à procura de galinhas?
- Não - disse o principezinho. - Ando à procura de amigos. Que significa “cativar”?
- É uma coisa de que toda a gente se esqueceu - disse a raposa. - Significa “criar laços…
- Criar laços? -
Isso mesmo - disse a raposa. - Para mim, não passas, por enquanto, de um rapazinho em tudo igual a cem mil rapazinhos. E eu não preciso de ti. E tu não precisas de mim. Para ti. não passo de uma raposa igual a cem mil raposas. Mas, se me cativares, precisaremos um do outro. Serás para mim único no mundo. Serei única no mundo para ti…
- Começo a compreender - disse o principezinho. - Existe uma flor, creio que ela me cativou.
- É possível - disse a raposa. - Vê-se de tudo à superfície da Terra…». 


In: O Principezinho

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Aos que virão depois de nós

Bertolt Brecht. Hoje, 10 de Fevereiro, é seu aniversário.

I

Eu vivo em tempos sombrios.
Uma linguagem sem malícia é sinal de
estupidez,
uma testa sem rugas é sinal de indiferença.
Aquele que ainda ri é porque ainda não
recebeu a terrível notícia.

Que tempos são esses, quando
falar sobre flores é quase um crime.
Pois significa silenciar sobre tanta injustiça?
Aquele que cruza tranqüilamente a rua
já está então inacessível aos amigos
que se encontram necessitados?

É verdade: eu ainda ganho o bastante para viver.
Mas acreditem: é por acaso. Nado do que eu faço
Dá-me o direito de comer quando eu tenho fome.
Por acaso estou sendo poupado.
(Se a minha sorte me deixa estou perdido!)

Dizem-me: come e bebe!
Fica feliz por teres o que tens!
Mas como é que posso comer e beber,
se a comida que eu como, eu tiro de quem tem fome?
se o copo de água que eu bebo, faz falta a
quem tem sede?
Mas apesar disso, eu continuo comendo e bebendo.

Eu queria ser um sábio.

Nos livros antigos está escrito o que é a sabedoria:
Manter-se afastado dos problemas do mundo
e sem medo passar o tempo que se tem para
viver na terra;
Seguir seu caminho sem violência,
pagar o mal com o bem,
não satisfazer os desejos, mas esquecê-los.
Sabedoria é isso!
Mas eu não consigo agir assim.
É verdade, eu vivo em tempos sombrios!

II

Eu vim para a cidade no tempo da desordem,
quando a fome reinava.
Eu vim para o convívio dos homens no tempo
da revolta
e me revoltei ao lado deles.
Assim se passou o tempo
que me foi dado viver sobre a terra.
Eu comi o meu pão no meio das batalhas,
deitei-me entre os assassinos para dormir,
Fiz amor sem muita atenção
e não tive paciência com a natureza.
Assim se passou o tempo
que me foi dado viver sobre a terra.

III

Vocês, que vão emergir das ondas
em que nós perecemos, pensem,
quando falarem das nossas fraquezas,
nos tempos sombrios
de que vocês tiveram a sorte de escapar.

Nós existíamos através da luta de classes,
mudando mais seguidamente de países que de
sapatos, desesperados!
quando só havia injustiça e não havia revolta.

Nós sabemos:
o ódio contra a baixeza
também endurece os rostos!
A cólera contra a injustiça
faz a voz ficar rouca!
Infelizmente, nós, 
que queríamos preparar o caminho para a amizade,
não pudemos ser, nós mesmos, bons amigos.
Mas vocês, quando chegar o tempo
em que o homem seja amigo do homem,
pensem em nós
com um pouco de compreensão.



Trouxe de Viriato Porto, um amigo virtual no FB.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012



A melhor cerejeira do meu pedaço de terra.

"Se não puderes ser um pinheiro no topo da colina
Sê um arbusto no vale – mas o melhor arbusto na encosta do monte.
Sê um ramo, se não puderes ser uma árvore.

Se não puderes ser um ramo, sê um pouco de relva
e dá alegria a um caminho.
Se não puderes ser almíscar, sê então apenas uma tília,
Mas a tília mais viva do lago.
Não podemos ser todos capitães, temos de ser tripulação.
Há alguma coisa para todos nós aqui.
Há grandes obras e outras menores a realizar,
E é a próxima tarefa que devemos empreender.
Se não puderes ser uma estrada, sê apenas uma senda.
Se não puderes ser o sol, sê uma estrela.
Não é pelo tamanho que terás êxito ou fracasso.
Sê o melhor de o que quer que sejas!"


Poema que inclui no meu 1º Curriculum Vitae, num ano da década de 80.


Resíduo de poema




De tudo ficou um poucoDo meu medo. Do teu asco.Dos gritos gagos. Da rosaficou um pouco
Ficou um pouco de luzcaptada no chapéu.Nos olhos do rufiãode ternura ficou um pouco(muito pouco).
Pouco ficou deste póde que teu branco sapatose cobriu. Ficaram poucasroupas, poucos véus rotospouco, pouco, muito pouco.
Mas de tudo fica um pouco.Da ponte bombardeada,de duas folhas de grama,do maço- vazio - de cigarros, ficou um pouco.
Pois de tudo fica um pouco.Fica um pouco de teu queixono queixo de tua filha.De teu áspero silêncioum pouco ficou, um pouconos muros zangados,nas folhas, mudas, que sobem.
Ficou um pouco de tudono pires de porcelana,dragão partido, flor branca,ficou um poucode ruga na vossa testa,retrato.
Se de tudo fica um pouco,mas por que não ficariaum pouco de mim? no tremque leva ao norte, no barco,nos anúncios de jornal,um pouco de mim em Londres,um pouco de mim algures?na consoante?no poço?
Um pouco fica oscilandona embocadura dos riose os peixes não o evitam,um pouco: não está nos livros.
De tudo fica um pouco.Não muito: de uma torneirapinga esta gota absurda,meio sal e meio álcool,salta esta perna de rã,este vidro de relógiopartido em mil esperanças,este pescoço de cisne,este segredo infantil...
De tudo ficou um pouco:de mim; de ti; de Abelardo.Cabelo na minha manga,de tudo ficou um pouco;vento nas orelhas minhas,simplório arroto, gemidode víscera inconformada,e minúsculos artefatos:campânula, alvéolo, cápsulade revólver... de aspirina.De tudo ficou um pouco.

E de tudo fica um pouco.Oh abre os vidros de loçãoe abafa o insuportável mau cheiro da memória.

Mas de tudo, terrível, fica um pouco,e sob as ondas ritmadase sob as nuvens e os ventose sob as pontes e sob os túneise sob as labaredas e sob o sarcasmoe sob a gosma e sob o vômitoe sob o soluço, o cárcere, o esquecidoe sob os espetáculos e sob a morte escarlatee sob as bibliotecas, os asilos, as igrejas triunfantese sob tu mesmo e sob teus pés já durose sob os gonzos da família e da classe,fica sempre um pouco de tudo.

Às vezes um botão.Às vezes um rato

Leve


Leve,
Tão leve …
 ... Volátil ou voador,
Às vezes cacto, outras vezes flor.
Leve,
Sem regras, barreiras ... fronteiras,
Sem censura nem clausura.
Às vezes atroz outras vezes doçura
Leve,
O vento, o sorriso …
O pensamento,
Leves as palavras de amor,
O perfume de uma flor.
Leve o olhar em que fraquejo,
Leve o beijo em que arquejo
Leve o arrepio na pele
O sonho que me embala
Que me transporta e suspende
Que me empurra e surpreende.
Leve o arrepio na pele.
Leve o sonho que me motiva
Que me preenche e cativa
Leve o sonho de ser gente
De sorrir e estar presente
Leve o tempo de sorrir
De dar e repartir
Leve …
Loucura de ser feliz




Trouxe de «Quem lê Sophia de Mello Breyner Andresen» 
FERNANDA PAIXÃO (a publicar)

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

A pele que há em mim





Quando o dia entardeceu
E o teu corpo tocou
Num recanto do meu
Uma dança acordou
E o sol apareceu
De gigante ficou
Num instante apagou
O sereno do céu
E a calma a aguardar lugar em mim
O desejo a contar segundo o fim.
Foi num ar que te deu
E o teu canto mudou
E o teu corpo do meu
Uma trança arrancou
E o sangue arrefeceu
E o meu pé aterrou
Minha voz sussurrou
O meu sonho morreu
Dá-me o mar, o meu rio, minha calçada.
Dá-me o quarto vazio da minha casa
Vou deixar-te no fio da tua fala.
Sobre a pele que há em mim
Tu não sabes nada.
Quando o amor se acabou
E o meu corpo esqueceu
O caminho onde andou
Nos recantos do teu
E o luar se apagou
E a noite emudeceu
O frio fundo do céu
Foi descendo e ficou.
Mas a mágoa não mora mais em mim
Já passou, desgastei
Para lá do fim
É preciso partir
É o preço do amor
Para voltar a viver
Já não sinto o sabor
A suor e pavor
Do teu colo a ferver
Do teu sangue de flor
Já não quero saber.
Dá-me o mar, o meu rio, a minha estrada.
O quarto vazio na madrugada
Vou deixar-te no frio da tua fala.
Na vertigem da voz
Quando enfim se cala.



Nomes






As bestas chamam-se Andorinha, Neblina ou Baronesa, Marquesa, Princesa.
Esta é Sereia, aquela, Pelintra e tem a bela Estrela.
Relógio, Soberbo e Lambari são burros.
O cavalo, simplesmente Majestade.
O boi Besouro, outro, Beija-Flor e Pintassilgo, Camarão, Bordado.
Tem mesmo o boi chamado labirinto.
Ciganinha, esta vaca; outra, Redonda.
Assim pastam os nomes pelo campo, ligados à criação. 
Todo animal é mágico.

Cansaço

Foto de G. Pinto - Junto ao Tejo



O que há em mim é sobretudo cansaço — Não disto nem daquilo, Nem sequer de tudo ou de nada: Cansaço assim mesmo, ele mesmo, Cansaço.  A subtileza das sensações inúteis, As paixões violentas por coisa nenhuma, Os amores intensos por o suposto em alguém, Essas coisas todas — Essas e o que falta nelas eternamente —; Tudo isso faz um cansaço, Este cansaço, Cansaço. 
Há sem dúvida quem ame o infinito, Há sem dúvida quem deseje o impossível, Há sem dúvida quem não queira nada — Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles: Porque eu amo infinitamente o finito, Porque eu desejo impossivelmente o possível, Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser, Ou até se não puder ser...  E o resultado? Para eles a vida vivida ou sonhada, Para eles o sonho sonhado ou vivido, Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto... Para mim só um grande, um profundo, E, ah com que felicidade infecundo, cansaço, Um supremíssimo cansaço, Íssimno,  íssimo, íssimo, Cansaço... 


 In "Poemas" *Heterónimo de Fernando Pessoa

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Poema da despedida









Não saberei nunca
dizer adeus


Afinal,
só os mortos sabem morrer


Resta ainda tudo,
só nós não podemos ser


Talvez o amor,
neste tempo,
seja ainda cedo


Não é este sossego
que eu queria,
este exílio de tudo,
esta solidão de todos


Agora
não resta de mim
o que seja meu
e quando tento
o magro invento de um sonho
todo o inferno me vem à boca


Nenhuma palavra
alcança o mundo, eu sei
Ainda assim,
escrevo


segunda-feira, 7 de novembro de 2011

November




No shadow no stars
no moon no cars
November
it only believes
in a pile of dead leaves
and a moon
that's the color of bone


No prayers for November
to linger longer
stick your spoon in the wall
we'll slaughter them all


November has tied me
to an old dead tree
get word to April
to rescue me
November's cold chain


Made of wet boots and rain
and shiny black ravens
on chimney smoke lanes
November seems odd
you're my firing squad
November


With my hair slicked back
with carrion shellac
with the blood from a pheasant
and the bone from a hare
tied to the branches
of a roebuck stag
left to wave in the timber
like a buck shot flag


Go away you rainsnout
go away blow your brains out
November

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Há quem julgue que nos venceu


«(O Sonho é a nossa arma)». Nunca devemos deixar de sonhar.

Há quem julgue que nos venceu só porque estamos para aqui, famintos e nus, de novo sem terra nem céu, a apanhar do chão, às escondidas do luar, os frutos podres caídos dos ramos. 
Mas não. 
Temos ainda uma arma de luz pura lutar; SONHAMOS. …enquanto os outros, os traidores, sem lutas nem cicatrizes entregam a terra ao rasto dos gamos e douram os olhos dos velhos senhores com voos de perdizes... 
Sim. sonhamos. 
E o sonho quem o derrota? - mesmo quando vamos perdidos na rota de um barco sem remos na tempestade de um vulcão. 
Sim, camaradas, sonhamos. 
SONHEMOS! O Sonho é também acção. 


In A Poesia Continua, velhas e novas circunstâncias, casafernandopessoa.cm-lisboa.pt

quinta-feira, 20 de outubro de 2011


Quem me roubou o tempo que era um
quem me roubou o tempo que era meu
o tempo todo inteiro que sorria
onde o meu Eu foi mais limpo e verdadeiro
e onde por si mesmo o poema se escrevia


In "RELÂMPAGO" Nº 9 (Out. de 2001), in OBRA POÉTICA (Caminho, 2010)

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Serenidade és minha (à memória de Fernando Pessoa)




Vem, serenidade!
Vem cobrir a longa
fadiga dos homens,
este antigo desejo de nunca ser feliz
a não ser pela dupla umidade das bocas.

Vem, serenidade!
Faz com que os beijos cheguem à altura dos ombros
e com que os ombros subam à altura dos lábios,
faz com que os lábios cheguem à altura dos beijos.
Carrega para a cama dos desempregados
todas as coisas verdes, todas as coisas vis
fechadas no cofre das águas:
os corais, as anêmonas, os monstros sublunares,
as algas, porque um fio de prata lhes enfeita os cabelos.

Vem, serenidade,
com o país veloz e virginal das ondas,
com o martírio leve dos amantes sem Deus,
com o cheiro sensual das pernas no cinema,
com o vinho e as uvas e o frêmito das virgens,
com o macio ventre das mulheres violadas,
com os filhos que os pais amaldiçoam,
com as lanternas postas à beira dos abismos,
e os segredos e os ninhos e o feno
e as procissões sem padre, sem anjos e, contud
com Deus molhando os olhos
e as esperanças dos pobres.

Vem, serenidade,
com a paz e a guerra
derrubar as selvagens
florestas do instinto.

Vem, e levanta
palácios na sombra.
Tem a paciência de quem deixa entre os lábios
um espaço absoluto.

Vem, e desponta,
oriunda dos mares,
orquídea fresca das noites vagabundas,
serena espécie de contentamento,
surpresa, plenitude.

Vem dos prédios sem almas e sem luzes,
dos números irreais de todas as semanas,
dos caixeiros sem cor e sem família,
das flores que rebentam nas mãos dos namorados
dos bancos que os jardins afogam no silêncio,
das jarras que os marujos trazem sempre da China,
dos aventais vermelhos com que as mulheres esperam
a chegada da força e da vertigem.

Vem, serenidade,
e põe no peito sujo dos ladrões
a cruz dos crimes sem cadeia,
põe na boca dos pobres o pão que eles precisam,
põe nos olhos dos cegos a luz que lhes pertence.

Vem nos bicos dos pés para junto dos berços,
para junto das campas dos jovens que morreram,
para junto das artérias que servem
de campo para o trigo, de mar para os navios.

Vem, serenidade!
E do salgado bojo das tuas naus felizes
despeja a confiança,
a grande confiança.
Grande como os teus braços,
grande serenidade!

E põe teus pés na terra,
e deixa que outras vozes
se comovam contigo
no Outono, no Inverno,
no Verão, na Primavera.

Vem, serenidade,
para que se não fale
nem da paz nem da guerra nem de Deus,
porque foi tudo junto
e guardado e levado
para a casa dos homens.

Vem, serenidade,
vem com a madrugada,
vem com os anjos de ouro que fugiram da Lua,
com as nuvens que proíbem o céu,
vem com o nevoeiro.

Vem com as meretrizes que chamam da janela,
o volume dos corpos saciados na cama,
as mil aparições do amor nas esquinas,
as dívidas que os pais nos pagam em segredo,
as costas que os marinheiros levantam
quando arrastam o mar pelas ruas.

Vem, serenidade,
e lembra-te de nós,
que te esperamos há séculos sempre no mesmo sítio,
um sítio aonde a morte tem todos os direitos.

Lembra-te da miséria dourada dos meus versos,
desta roupa de imagens que me cobre
o corpo silencioso,
das noites que passei perseguindo uma estrela,
do hálito, da fome, da doença, do crime,
com que dou vida e morte
a mim próprio e aos outros.

Vem, serenidade,
e acaba com o vício
de plantar roseiras no duro chão dos dias,
vicio de beber água
com o copo do vinho milagroso do sangue.

Vem, serenidade,
não apagues ainda
a lâmpada que forra
os cantos do meu quarto,
o papel com que embrulho meus rios de aventura
em que vai navegando o futuro.

Vem, serenidade!
E pousa, mais serena que as mãos de minha Mãe,
mais úmida que a pele marítima do cais,
mais branca que o soluço, o silêncio, a origem,
mais livre que uma ave em seu vôo,
mais branda que a grávida brandura do papel em que escrevo,
mais humana e alegre que o sorriso das noivas,
do que a voz dos amigos, do que o sol nas searas.

Vem, serenidade,
para perto de mim e para nunca.

....................................... ................

De manhã, quando as carroças de hortaliça
chiam por dentro da lisa e sonolenta
tarefa terminada,
quando um ramo de flores matinais
é uma ofensa ao nosso limitado horizonte,
quando os astros entregam ao carteiro surpreendido
mais um postal da esperança enigmática,
quando os tacões furados pelos relógios podres,
pelas tardes por trás das grades e dos muros,
pelas convencionais visitas aos enfermos,
formam, em densos ângulos de humano desespero,
uma nuvem que aumenta a vã periferia
que rodeia a cidade,
é então que eu te peço como quem pede amor:
Vem, serenidade!

Com a medalha, os gestos e os teus olhos azuis,
vem, serenidade!

Com as horas maiúsculas do cio,
com os músculos inchados da preguiça,
vem, serenidade!

Vem, com o perturbante mistério dos cabelos,
o riso que não é da boca nem dos dentes
mas que se espalha, inteiro,
num corpo alucinado de bandeira.

Vem, serenidade,
antes que os passos da noite vigilante
arranquem as primeiras unhas da madrugada,
antes que as ruas cheias de corações de gás
se percam no fantástico cenário da cidade,
antes que, nos pés dormentes dos pedintes,
a cólera lhes acenda brasas nos cinco dedos,
a revolta semeie florestas de gritos
e a raiva vá partir as amarras diárias.

Vem, serenidade,
leva-me num vagão de mercadorias,
num convés de algodão e borracha e madeira,
na hélice emigrante, na tábua azul dos peixes,
na carnívora concha do sono.

Leva-me para longe
deste bíblico espaço,
desta confusão abúlica dos mitos,
deste enorme pulmão de silêncio e vergonha.
Longe das sentinelas de mármore
que exigem passaporte a quem passa.

A bordo, no porão,
conversando com velhos tripulantes descalços,
crianças criminosas fugidas à policia,
moços contrabandistas, negociantes mouros,
emigrados políticos que vão
em busca da perdida liberdade,
Vem, serenidade,
e leva-me contigo.
Com ciganos comendo amoras e limões,
e música de harmônio, e ciúme, e vinganças,
e subindo nos ares o livre e musical
facho rubro que une os seios da terra ao Sol.

Vem, serenidade!
Os comboios nos esperam.
Há famílias inteiras com o jantar na mesa,
aguardando que batam, que empurrem, que irrompam
pela porta levíssima,
e que a porta se abra e por ela se entornem
os frutos e a justiça.

Serenidade, eu rezo:
Acorda minha Mãe quando ela dorme,
quando ela tem no rosto a solidão completa
de quem passou a noite perguntando por mim,
de quem perdeu de vista o meu destino.

Ajuda-me a cumprir a missão de poeta,
a confundir, numa só e lúcida claridade,
a palavra esquecida no coração do homem.

Vem, serenidade,
e absolve os vencidos,
regulariza o trânsito cardíaco dos sonhos
e dá-lhes nomes novos,
novos ventos, novos portos, novos pulsos.

E recorda comigo o barulho das ondas,
as mentiras da fé, os amigos medrosos,
os assombros da índia imaginada,
o espanto aprendiz da nossa fala,
ainda nossa, ainda bela, ainda livre
destes montes altíssimos que tapam
as veias ao Oceano.

Vem, serenidade,
e faz que não fiquemos doentes, só de ver
que a beleza não nasce dia a dia na terra.

E reúne os pedaços dos espelhos partidos,
e não cedas demais ao vislumbre de vermos
a nossa idade exata
outra vez paralela ao percurso dos pássaros.

E dá asas ao peso
da melancolia,
e põe ordem no caos e carne nos espectros,
e ensina aos suicidas a volúpia do baile,
e enfeitiça os dois corpos quando eles se apertarem,
e não apagues nunca o fogo que os consome.
o impulso que os coloca, nus e iluminados,
no topo das montanhas, no extremo dos mastros
na chaminé do sangue.

Serenidade, assiste
à multiplicação original do Mundo:
Um manto terníssimo de espuma,
um ninho de corais, de limos, de cabelos,
um universo de algas despidas e retráteis,
um polvo de ternura deliciosa e fresca.

Vem, e compartilha
das mais simples paixões,
do jogo que jogamos sem parceiro,
dos humilhantes nós que a garganta irradia,
da suspeita violenta, do inesperado abrigo.

Vem, com teu frio de esquecimento,
com tua alucinante e alucinada mão,
e põe, no religioso ofício do poema,
a alegria, a fé, os milagres, a luz!

Vem, e defende-me
da traição dos encontros,
do engano na presença de Aquele
cuja palavra é silêncio,
cujo corpo é de ar,
cujo amor é demais
absoluto e eterno
para ser meu, que o amo.

Para sempre irreal,
para sempre obscena,
para sempre inocente,
Serenidade, és minha. 


RAUL DE CARVALHO (1920-1984) / serenidade és minha (1955)



... / ...
Impressionante este poema.


terça-feira, 20 de setembro de 2011

Deixa andar



E se alguém vier dizer-te que te amo, 
não acredites, não ligues, deixa andar. 
É fantasia minha, sem sentido nem lugar, 
bebedeira de Absoluto a curto prazo, sem pertença. 
Já nem eu sei se de tanto sou capaz. 
Não sei se estou longe de ti, aqui onde te guardo, 
se estou contigo na infinita distância 
que vai de um ser a outro, e nos separa. 
Ter palavras e ter cara parece que não basta. 
Há sempre um silêncio grosso entre as pessoas. 
Se a vida nos sustenta, se nos tenta, 
e, depois, nos atraiçoa e não compensa, 
 porque nos nascem sonhos como doença 
que só o tempo, como a tudo o resto, cura?

 In 44 POEMAS (Fonte da Palavra, 2011)



Roubado daí: http://www.facebook.com/pages/Quem-l%C3%AA-Sophia-de-Mello-Breyner-Andresen/112890882080018

terça-feira, 23 de agosto de 2011

TRANSFIGURAÇÃO

G. Pinto - Trabalho digital em "Picnik"

Tens agora outro rosto, outra beleza:
Um rosto que é preciso imaginar,
E uma beleza mais furtiva ainda...
Assim te modelaram, caprichosas,
As sombras da lonjura,
Mãos irreais que tornam irreal
O barro que nos foge da retina.
Barro que em ti passou de luz carnal
A bruma feminina...

Mas nesse novo encanto
Te conjuro
Que permaneças.
Distante e preservada na distância.
Olímpica recusa, disfarçada
De terrena promessa
Feita aos olhos tentados e descrentes.
Nenhum mito regressa...
Todas as deusas são mulheres ausentes...


In DIÁRIO IX (1964), in ANTOLOGIA POÉTICA (Coimbra, 4ª ed., 1994)

4

Sítio dos Caídos.

das horas que entram pela cama em que noutra vida
te ensinei o caminho do meu corpo
e da justeza dos gestos com que a alegria
se desenhava em mim quando dizias
agosto tu vais ver é a nossa pátria

nessa altura o verão vinha ainda muito longe
e por isso era possível acreditar em frases dessas
esperando que tudo acontecesse
como nos perdoáveis lugares-comuns dos filmes
que estreiam sempre no natal
e furiosamente desejei que a paixão se enredasse
entre os limos e sargaços das tuas pernas

mas agosto foi apenas um lugar de emboscadas
em todos os precipícios da nossa cama
e lentamente as águas definiram
com rigor implacável
o que sobrava de ti nas minhas mãos
e o silêncio baixou sobre as águas
como antes da invenção do mundo

e agora não sei onde acaba o teu nome
e começa o nome de deus

DOIS CORPOS TOMBANDO NA ÁGUA (Caminho, 2007)


sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Somewhere, de West Side Story

I say: We wait and we wonder.

There's a place for us,
Somewhere a place for us.
Peace and quiet and open air
Wait for us

Somewhere.

There's a time for us,
Some day a time for us,
Time together with time to spare,
Time to look, time to care,
Someday!Somewhere.
We'll find a new way of living,
We'll find a way of forgiving

Somewhere.

There's a place for us,
A time and place for us.
Hold my hand and we're half way there.
Hold my hand and I'll take you there
Somehow,
Someday,

Somewhere!