sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

O Medo

Foto de Guidinha Pinto


Em verdade temos medo.

Nascemos no escuro.

As existências são poucas;

Carteiro, ditador, soldado.

Nosso destino, incompleto.

E fomos educados para o medo.

Cheiramos flores de medo.

Vestimos panos de medo.

De medo, vermelhos rios

Vadiamos.

Somos apenas uns homens e a natureza traiu-nos.

Há as árvores, as fábricas,

Doenças galopantes, fomes.

Refugiamo-nos no amor,

Este célebre sentimento,

E o amor faltou: chovia,

Ventava, fazia frio em São Paulo.

Fazia frio em São Paulo...

Nevava.

O medo, com sua capa,

Nos dissimula e nos berça

Fiquei com medo de ti,

Meu companheiro moreno.

De nos, de vós, e de tudo.

Estou com medo da honra.

Assim nos criam burgueses.

Nosso caminho: traçado.

Por que morrer em conjunto?

E se todos nós vivêssemos?

Vem, harmonia do medo,

Vem ó terror das estradas,

Susto na noite, receio

De águas poluídas.

Muletas

Do homem só.

Ajudai-nos, lentos poderes do

Láudano.

Até a canção medrosa se parte,

Se transe e cala-se.

Faremos casas de medo,

Duros tijolos de medo,

Medrosos caules, repuxos,

Ruas só de medo, e calma.

E com asas de prudência

Com resplendores covardes,

Atingiremos o cimo

De nossa cauta subida.

O medo com sua física,

Tanto produz: carcereiros,

Edifícios, escritores,

Este poema,

Outras vidas.

Tenhamos o maior pavor.

Os mais velhos compreendem.

O medo cristalizou-os.

Estátuas sábias, adeus.

Adeus: vamos para a frente,

Recuando de olhos acesos.

Nossos filhos tão felizes...

Fiéis herdeiros do medo,

Eles povoam a cidade.

Depois da cidade, o mundo.

Depois do mundo, as estrelas,

Dançando o baile do medo.


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